domingo, 13 de novembro de 2011

Em busca da excelência

Não sou muito afeito a tratar temas cujo conteúdo eu possa ter pouco domínio, as conversas de bar é que se prestam às teorias eloqüentes do senso comum, como se diz com freqüência nos textos de metodologia científica. Aliás, o método científico preconiza o oposto, falar com segurança, fundamentado em evidências, qualitativas ou quantitativas, extraídas de um processo metódico de investigação.
Digo isto como introdução a esta reflexão, por que uma questão está a rondar meus pensamentos, desde algum tempo: por qual razão nos recusamos tanto à excelência, a fazer as coisas com a perspectiva de que terão o melhor e maior resultado possível?
Trata-se de uma questão quase existencial! Cidadãos, políticos, gestores, estudantes, enfim, quase todos nós temos certa dificuldade de fazer as nossas tarefas, não pela razão de serem difíceis, mas em decorrência do fato de que muitas vezes nos empenhamos pouco, ficamos desatentos e perdemos o foco de nossas atitudes, mesmo em relação a questões do tipo familiar.
Uma excepcionalidade a esta constatação, poderia ser identificada no caso dos empresários da iniciativa privada, cuja punição pela falta de atenção aos princípios da excelência, muitas vezes leva à falência, ou, no mínimo, à depreciação do patrimônio empresarial, tornando a atividade muito menos rentável do que poderia ser.
Imaginemos outros povos, como os americanos, ingleses, franceses, coreanos, japoneses, e outros mais, que hoje fazem parte do mundo desenvolvido. Como chegaram à condição em que hoje se encontram? Sociedades capazes de oferecer padrões de bem estar social bastante elevado às suas populações, em que pesem as desigualdades de renda e de outros aspectos sociais ainda existentes naquelas sociedades. Arrisco dizer que, em algum momento de sua história, optaram por um caminho de desenvolvimento, a partir do reconhecimento de que “coisas bem feitas” são conquistas importantes, que não decorrem do acaso.
Com o termo excelência, que tem definição larga, remeto à ideia de superioridade de qualidade, um atributo do fazer humano que induz as pessoas a se destacarem positivamente, em razão da utilidade do que fazem e do possível prazer que possam proporcionar com o que oferecem ao outro.
Em nossa cultura, muitas vezes a esquecemos no trato com as pessoas, no dia a dia das nossas atividades profissionais e na relação com o coletivo, pensado como a nossa contribuição para o bem estar comum, imaginado como um tipo de comportamento capaz de beneficiar indiretamente pessoas que sequer conhecemos. Um exemplo muito claro seria o de não jogar lixo nas ruas, em função da sujeira e dos prejuízos coletivos que ocasiona.
Será que podemos imaginar o enorme prejuízo que impomos aos demais cidadãos todos os dias, em função de nosso comportamento desleixado e muitas vezes inconseqüente? Em uma situação concreta, andando no centro da cidade, um pequeno cruzamento de vias, um motorista ensandecido com o carro da frente em razão deste estar parado um pouco antes do acesso à rua lateral, na tentativa de não bloquear ainda mais o trânsito. Buzinaço, impropérios e impaciência, pelo simples fato de que o motorista à sua frente estava sendo gentil, simplesmente.
Mais um exemplo que considero digno de nota. Em outros países, sobretudo de clima temperado, o transporte público oferece uma regularidade muito significativa. Nos locais de parada há folhetos indicando o tempo de percurso e, a partir disso, os momentos exatos, ao longo do dia, em que se poderá pegar o transporte. Isto faz uma enorme diferença, quando se trata de inverno, que em alguns lugares castiga a população com temperaturas negativas insuportáveis.
Nos dois exemplos estão claros os extremos de comportamento. Cidadãos privados que divergem no sentido do respeito ao outro e um poder estatal que, ao conferir regularidade ao funcionamento de importante bem público, indica para o seu cidadão que há genuíno interesse por seu bem estar.
É óbvio que não vivemos esta situação no Brasil! Em pouquíssimos serviços somos agraciados com bom atendimento, presteza no trato e, principalmente, excelência do serviço. Mais do que isto, temos todos rosário importante de desculpas a deslindar se não conseguimos nos portar corretamente e oferecer aquilo que, de um ponto de vista social, se espera de nosso comportamento.
Instituições como escolas, hospitais, bancos e o trânsito funcionam como janelas de nossos valores, verdadeiros espelhos da maneira como olhamos para os outros e os percebemos. Pequenas descortesias, ausências, atrasos, procastinações, desculpas e desleixo são ingredientes infalíveis para o mal estar que a vida social nos imprime. Sem falar das necessidades da sobrevivência, em um ambiente capitalista e competitivo.
Toda estas reflexões, insisto, muito superficiais, vêm de minha profunda incompreensão para com os estreitos limites que nos impusemos na vida social e profissional. Somos incapazes, muitas vezes, de manter ambientes limpos, a gentileza do trato, o cumprimento de horários, o silêncio quando o outro está falando, a cortesia dos bons dias e “muito obrigados” tão essenciais para amenizar as pressões da vida cotidiana.
Pior que tudo, cultivamos isto em crianças e jovens, à medida que não delimitamos a ideia de autoridade necessária à constituição dos limites da personalidade, seguindo a compreensão de que há o certo e o errado. E permanemos detentores de uma das sociedades mais desiguais do mundo, em que o outro, muitas vezes nos é invisível.
Retorno a um ponto já mencionado. As sociedades mais desenvolvidas do planeta construíram suas referências de vida social, muitas vezes através de processos dolorosos de revoluções e guerras civis.
Nós brasileiros tivemos a sorte de não passar por esses momentos de depuração social e deveríamos aproveitar a oportunidade para nos construir de outro modo, a partir da noção de que o fazer é intimamente ligado ao “bem fazer” e que, desde as pequenas coisas, somos capazes de pensar no outro e em seu benefício, ainda que seja, tão somente, para torná-lo um benefício individual de médio prazo.